Sua chegada em Urucânia

Padre Antônio

O Padre José Henrique deixa escrito:

“Em 1947, a convite meu passou a residir em Urucânia, tendo resignado a vizinha paróquia de Santo Antônio do Grama, onde foi vigário 26 anos, o Revmo. Snr. Pe. Antônio Ribeiro Pinto, estando ciente o Snr. Arcebispo. Deixou a paróquia a 2 de fevereiro de 1947. Festa da Purificação de Na Sa. Sendo gravíssimo o seu estado de saúde, foi hospitalizado em Rio Casca. Aqui, com gaudio geral, chegou a 11 de Fevereiro do mesmo ano – Festa de Na Sa de Lourdes. Em abril, chega o 1º caminhão procedente do Espírito Santo, creio, de Castelo, trazendo aproximadamente 50 pessoas.

A maior parte, era alcoólatra, outros doentes e aleijados. Obtiveram a graça, segundo fui informado, daí o início da romaria. Urucania jamais viu tamanha multidão, tamanha miséria física e moral. Urucania era pequena para suportar dez, quinze a vinte mil pessoas diariamente; todos ansiosos por um lenitivo ao menos aos seus grandes males: todos desejavam ver, falar, tocar em Pe. Antonio…

Quando atestam beneficiados por Na Sa das Graças, neste terreno, nada me cabe adiantar, senão as autoridades competentes. Afirmo “de visu” as conversões inúmeras de maçons, espíritas, protestantes… pois em quasi 2 anos, ouvi 65.000 confissões. Houve mais de 20 mil comunhões de adultos. Por esses dados matematico é fácil imaginar o trabalho insano do vigário. Em dezembro de 1948, dia 8, pede Pe. Antonio, pelo Amor de Deus, aos dirigentes da Rádio Nacional e jornalistas presentes não mais dessem notícias suas…”

Padre Antônio nunca mais voltou ao Grama. Pela imprensa internacional, alguns meses mais tarde, respondeu aos seus algozes: “A alma e o corpo são como o cavalo e  cavaleiro. Se o cavaleiro domina o animal, então tudo vai bem; mas se é o animal que governa, nesse caso leva o cavaleiro para o abismo.” Pouco tempo depois de sua saída de lá, o Padre, através da imprensa escrita e do rádio, alcança notoriedade mundial.

Algo fora de controle estava começando a ocorrer em Urucânia, naqueles idos de 1947. Lugarejo pobre e descalço, desprovido de rede sanitária e água tratada, não tinha condições estruturais mínimas para receber a constante multidão de pessoas que buscavam as bênçãos do Padre Antônio. Desde que ele chegou a Urucânia, o lugar se transformou num frenesi de fiéis, gente de todos os cantos, do Brasil e do exterior. As ruas do lugarejo eram diariamente tomadas por centenas de pessoas em busca de milagres, de lenitivos para os males do corpo e da alma. A movimentação de veículos na região era tamanha, que a administração pública de Ponte Nova se viu obrigada a organizar o trânsito e motorizar a polícia, fato raro naqueles tempos, principalmente na região.

Muitas curas aconteceram e foram registradas por jornais, rádios e revistas do Brasil e do exterior, que mantinham correspondentes em Urucânia para acompanhar o Padre diariamente. A Rádio Nacional, naquele tempo a maior emissora de rádio do país, instalou em aqui seus aparelhos e passou a transmitir as bênçãos do Pe. Antônio Pinto diariamente. Paralíticos andaram, cegos viam a luz do dia, surdos gritavam e choravam ao ouvirem os primeiros sons, deficientes mentais voltando à mais perfeita consciência, famílias inteiras gritando entre lágrimas, a multidão se acotovelando espantada com o espetáculo de fé e curas que assistia. O povo rezava, chorava e gritava: “milagre, milagre, milagre…”.

As bênçãos e milagres operados através das mão de Padre Antônio Pinto tornaram-se matéria obrigatória em todos os jornais e revistas do País, Revista O Cruzeiro, Rádio Nacional, dentre outros veículos de comunicação importantes naquela época.

Conta a história que muitos romeiros levavam fotos do Pe. Antônio Pinto para serem bentas por ele e levadas como lembrança. Como ele jamais atribuiu a si próprio o poder de curar, gritava para os que levantavam a foto: “Tirem este bobo daí. Eu sou homem como vocês. Quem cura é Nossa Senhora das Graças. Se não tiverem fé, o melhor é não virem aqui.” Costumava dizer aos fiéis: “Nem tudo pode ser alegria. Tem que haver também o sofrimento.”

A cidade fervia de gente a tal ponto que as autoridades sanitárias começaram a temer epidemias. Cada dia mais pessoas chegavam, adultos, crianças, velhos, enfermos, pessoas portadoras de deficiências físicas e mentais, enfim, gente de toda parte com todo tipo de problema. Todos queriam estar diante daquele que consideravam Santo e receber de suas mãos as bênçãos. Houve um tempo que precisaram levar Padre Antônio para Rio Casca, onde se hospedou na casa de seu afilhado, o médico Dr. José Miranda Chaves, conhecido como Dr. Juquita. Estando lá, atendia aos fiéis que iam procurá-lo. Da janela da casa, todos os dias, abençoava a multidão. Desta forma, retirando-o de Urucânia por uns dias, as autoridades sanitárias puderam fazer um trabalho de desinfecção nas ruas e casas do lugarejo.

Padre Antônio atendia não só à alta cúpula da Igreja Católica Apostólica Romana, como também, e segundo os desejos dos representantes da mesma Igreja, ministrava suas bênçãos e conselhos ao Presidente da República e a todas as autoridades do governo Vargas.

Em relação ao dinheiro, Padre Antônio Pinto sempre estabeleceu uma ética rígida, desde os primeiros passos como padre. Tinha o hábito de conservar cadernos onde anotava absolutamente tudo. O cuidado com as contas, com os compromissos e arrecadação foi uma característica marcante em sua personalidade, talvez pelo fato de ter sofrido muito na infância miserável em Rio Piracicaba e Abre Campo. Destinava o dinheiro que arrecadava para suas necessidades pessoais, que eram simples, para a Cúria e para a construção do Santuário de Nossa Senhora das Graças. Repartia ainda o dinheiro com as vocações sacerdotais, as missões, as obras de assistência social, os leprosários, as sociedades de cunho social, as construções de igrejas, os sanatórios, etc., etc., etc. É incalculável quantia arrecadada e distribuída por ele.

Seu poder de influência era imenso e não o utilizava em benefício próprio. Não fazia questão da publicidade e não suportava bajulações. Porém, em benefício de seu povo, não media esforços e palavras.

Entre todas as necessidades da região e, principalmente de Urucânia, ocupava-se muito com a abertura e conservação de estradas e a falta de um telégrafo. Em 4 de março de 1949 escreve ao General Eurico Gaspar Dutra, à época Presidente da República, pedindo urgência na indicação de um  funcionário para fazer funcionar o telégrafo já instalado em Urucânia. A estrada asfaltada ligando Ponte a Rio Casca, passando por Urucânia é resultado do incansável trabalho do Padre Antônio Pinto junto às autoridades estaduais e federais. Em atendimento aos seguidos pedidos, as autoridades se apressam em construir racionalmente a atual estrada que liga Ponte Nova a Rio Casca.

Sempre auxiliado por seu sacristão Raimundo Henrique da Silva, vulgo Dico do Padre, e por seu enfermeiro Bernardino Alves Mayrink, conhecido por Didino Mayrink, Padre Antônio distribuía a caridade da fé, atendia os fiéis, rezava missa, dava bênçãos e conselhos, mandava recados e fazia previsões, transformando Urucânia na Meca dos milagres, criando um ambiente importantíssimo no renascimento da fé e crença nos postulados religiosos.

Padre Antônio morre em 22 de julho de 1963, antes de ver a sonhada construção do Santuário de Nossa Senhora das Graças, e seu corpo segue de Ponte Nova para ser enterrado em Urucânia, numa estrada empoeirada e cheia de buracos.

15 dias antes de morrer Padre Antônio chama Didino à beira de seu leito de morte, num gesto de humildade, como era próprio de sua vida, agradecendo a este a devoção e o carinho que pautara a convivência deles, dizendo-lhe que não tinha nada para deixar para ele, mas que Nossa Senhora das Graças haveria de recompensá-lo por tudo que fizera. O povo de Urucânia inteiro é testemunha do progresso que se deu na vida deste homem, que foi levado para a cidade do Rio de Janeiro tão logo ocorreu o falecimento do Reverendo, a convite da Dona Beatriz Monteiro de Carvalho, empresária riquíssima, amiga fiel e seguidora do Pe. Antônio, de quem havia recebido graças milagrosas, passando a viver na companhia desta senhora. Ocorreu que, 60 dias depois do falecimento do Milagreiro, este rapaz simples, pobre, que mal terminara o curso primário, se vê na França diante da cadeira onde Nossa Senhora das Graças aparecera para a Santa Catarina de Labourê. Didino, testemunha ocular de todos os acontecimentos ocorridos em Urucânia naquele tempo alcançou tamanha Graça Divina que fez dele o maior seguidor da pregação que fazia Padre Antônio Pinto, dedicando-lhe toda reverência. Em verdade, Didino vive até hoje sob o Manto Sagrado de Nossa Senhora das Graças, plenamente realizado e feliz.

O povo de Urucânia, por iniciativa do então Prefeito Municipal, Manoel Mayrink Neto, em projeto votado na Câmara Municipal, transforma a casa paroquial em Museu Municipal, inaugurado em 9 de abril de 1968, conservando intacto, até os dias atuais, os pertences do Padre e o altar onde meditava e pedia forças a Deus Pai para continuar sua missão. A rua onde fica o museu também recebeu o nome de Padre Antônio Pinto.

No dia 2 de abril de 1975, doze anos após  sua morte, o corpo do saudoso Padre foi exumado e seus restos mortais transladados do túmulo no cemitério de Urucânia. Por sete dias a urna permaneceu exposta aos visitantes no Museu e, no dia 9 de abril de 1975, foi transferida para seu Jazigo definitivo ao lado do altar do Santuário de Nossa Senhora das Graças.

Nesta mesma época, Urucânia prestou também justa homenagem à Senhora Beatriz Monteiro de Carvalho, erigindo uma praça pública com seu nome, trazendo ao centro um busto do Padre Antônio Pinto. Na praça onde começa a Avenida Ary Soares Martins que leva ao Santuário.

De 1845 até a chegada e morte do Padre Antônio Pinto, espiritualmente Urucânia foi guiada por santos vigários, entre estes, o Padre Henrique de Souza Carvalho, Padre Efraim Solano Rocha, Padre Antônio de Pádua e Padre Tarcísio Mariano Lopes, Pe Jaime Antunes, todos extremamente dedicados ao mister trabalho de salvação de almas e pregação do Palavra de Deus.

Sem desfazer, porém, do trabalho ingente, abnegado  e  silencioso de tantos sacerdotes a quem Urucânia tanto deve, jamais será esquecido o que fez o Padre Antônio Ribeiro Pinto, sacerdote dotado de poderosos atributos. Pelas suas abençoadas mãos tornou Urucânia lugar de destaque no Brasil e no mundo. Seu nome e seus feitos eram diariamente, corriqueiramente, assunto de primeira página em todos os jornais, revistas e rádios existentes naquela época.

Os que conheceram Padre Antônio Pinto o consideram Santo. Seus milagres correram o mundo, atravessando mares e fronteiras, envolvendo de maneira praticamente nunca visto o fervor de milhares.

“Padre Antônio foi, sem sombra de dúvida, um homem de Deus, um predestinado que passou pelo mundo distribuindo graças e fazendo o bem, pregando e ensinando o evangelho, amando os pobres e os humildes, dispensando-lhes paternal carinho e afeição, tomado da imensa bondade que morava em seu coração.”

“Sua vida foi de sacrifício e provações, tal qual a dos pobres que ele tanto amou.”

“Homem de palavra simples, de gestos afáveis, de olhar sereno, de atos moderados, tinha Padre Antônio, a colorir-lhe a figura de uma auréola de pureza, inocência e santidade”.

Deixou anotado, em 01/05/1960: “Como ponto final de minha humilde obra no mundo, estou vivamente empenhado na construção do Santuário de Nossa Senhora das Graças, em Urucânia, para o que apelo para esses devotos sinceros, que assim retribuirão um pouco do muito que Ela tem dispensado ao Brasil e à Humanidade”.

Os corações dos seus íntimos, dos seus amigos, dos seus fiéis, dos seus irmãos no sacerdócio, enfim, de todos os que tiveram a ventura de conviver com o “Taumaturgo de Urucânia”, reunidos naquela imensa multidão, que silenciosa e emocionada rendeu-lhe a tocante e derradeira homenagem em 23 julho de 1963, palmilharam comovidos no instante em que seu corpo baixava à terra, ao som tristonho dos sinos que dobravam à finados, exprimindo a cada badalada a dor comovente da ausência e da saudade.

Morreu Padre Antônio. Privou-se a comunidade urucaniense de seu pastor, do seu pai, do seu guia, do seu amigo sincero e puro de todas as horas, que na Mansão Celestial, por certo continuará velando por ela e por todos nós. A arquidiocese de Mariana perdeu um grande sacerdote. O Céu ganhou um novo Santo.

A cada ano, no dia 22 de julho, Urucânia celebra sua memória, presente nos corações e mentes de milhares de brasileiros.

No dia 27 de novembro, desde o ano de 1947, Urucânia festeja a Medalha Milagrosa de Nossa Senhora das Graças, data em que milhares de fiéis recorrem ao Santuário onde estão depositados os restos mortais do Reverendo.

Bibliografia:

– Urucânia, sua história e sua gente – 1974 (Manoel Mayrink Neto) – Onde está declarado que houve consultas ao IBGE, arquivo Paroquial, arquivo da Prefeitura Municipal, arquivo da Cúria Diocesana de Mariana, Informes da Prefeitura de Ponte Nova e informações de pessoas idosas do município, destacando-se as do Ex-escrivão Sr Agenor de Godoy) – Cópia de crônica publicada no “Jornal do Povo”, de Ponte Nova; Museu Padre Antônio Pinto; Revista “Estrela do Mar” e Artigos sobre a Língua Tupi, do autor A. Maia
– O Padre do Povo – Carolina Boechat Martins
– Memória Histórica de Santo Antônio do Grama – José Henrique Domingues